Caros leitores: reuni nesta página alguns poemas dos sertanezinos e companheiros da ASEL - ACADEMIA SERTANEZINA DE LETRAS: Américo Rosário de Souza, Vasco Pereira de Oliveira e Zéluiz de Oliveira.
AMÉRICO ROSÁRIO DE SOUZA
Recolhimento
Dezembro em jeito de Natal
arma presépios nos cantos do vento,
a umidade faz sorrir o musgo,
um leve frio corta o achonchego dos protegidos,
hoje não tem lavoura.
Os pedregulhos molhados
não sentirão os pés cansados
dos trabalhadores.
Estou em casa vendo a chuva
estou dentro de mim
olhando o nevoeiro que me vai na alma...
(Livro: Nós os mortos)
I
Ir-se soltar as amarras
e nada mais
o vôo solitário e imperscrutável
carrega séculos de clarividência e medo.
A fé e a descrença disputam procedência
nos portais da morte.
A alma solitária vai-se.
As almas solitárias ficam,
armam hipóteses expõem desejos
bebem desesperadas a grandeza dos sonho,
agarram bengalas metafísicas
patinando na indesejada pequenez do homem.
Ir-se soltar as amarras.
O vôo solitário continua Imperscrutável.
II
O Grifo grifa meu desespero.
O mistério ronda os passos na sombra
e a alma inquieta busca indícios,
sonha esperanças.
Há o corpo e os prazeres,
há a carne e as dores,
o vento brando gira alegrias desancoradas
e a procela agita desesperos
subitamente encastoados no humano âmago.
III
Os vitrais iluminados em alguma perdida noite
acariciam festas na memória, lembram velhas certezas,
agitam lembranças doces n'alguma antiga cerimônia do lava-pés.
Os santos acobertados expõem certezas que se gastarão ano a ano.
No fundo da memória a parda desconfiança do Nada cria altares,
gera profetas e busca na perdida inocência caminhos que se acabarão.
X
os sonhos da minha mãe ficarão no esquecimento
já não haverá quem os guarde as pequenas casas
os velhos caminhos os carinhos devotados se misturarão às faces
sorridentes que embalaram dias de glória e antevisões
devidamente ajustados à pequenez humana.
(Livro: O rosto atrás da porta)
ZÉLUIZ DE OLIVEIRA
Velas aos céus
As velas içasdas na caravela
ascenderam aos céus
e levaram consigo a poesia
que eu tinha n!alma.
De veias abertas reguei com meu sangue
todos os canteiros do mundo.
Hoje, no âmago das pessoas
brotam girassóis azuis exalando rimas
para comporem poemas.
(Livro: Esparsos & Fragmentos)
Plantio
O mar inusitado que agora teima açoitar meu peito
traz consigo corais algas azuis da saudade
em um tempo de estio que agoniza.
É como se a lua cigana matasse o dragão
para em seu lugar plantar campos de girassóis.
(Livro: Esparsos & Fragmentos)
Queimadas
Pus fogo na casa
queimei minha cama e os meus sapatos.
Estou de pés nus e caminho feito cobra no chão.
Segue-me um rastro. Um enorme rastro
que aumenta a cada instante.
O rastro é a minha certeza de poder estar vivo.
Queimei os meus móveis, queimei os meus livros e o meu passado.
Consegui ser um homem sem falsos valores e sem preconceitos.
Estou vivo!
Das labaredas da minha enorme fogueira
brotaram meu caminho e minha verdade.
As cinzas ficaram e nelas as minhas lembranças.
Pus fogo em tudo. Fogo fátuo Fogo focus Fogo brasa.
Queimou Queimei Queimamos!
(Livro: É tempo de queimadas!)
Poesia
Poderia até dizer que te queria asno
senhor da terra e do ar musa inspiradora
nota musical fé menino céu azul poema,
mas o que eu sei dizer é que te quero estrela
corpo vivo inteiro pele aberta fé menino lua prata poesia.
(Livro: Esparsos & Fragmentos)
VASCO PEREIRA DE OLIVEIRA
Terra cheia
Dos sonhos quase impossíveis
há um que me campeia:
ver a Terra, da Lua,
em noite de Terra cheia.
Aprendizado
Nada sei sobre o errado ou o certo.
A multidão nada me ensinou.
Caminhar sozinho me fez forte.
O que não sei, aprendi no deserto.
Domei a dor
O vento esculpe a árvore como a dor a alma.
Assim, morri só uma vez: o cotidiano me pertence.
Tenho as rédeas do sofrimento.
Em pedaços, ignoro o vazio, os cacos me completam.
Domei a dor, assim me vingo de Deus.
Medo
Raios de sol entre as folhas acordando a manhã.
Ergo pontes até o sol.
Poderia me equilibrar nelas
como fazem os insetos embriagados
que se despedaçam em busca da luz.
Mas tenho medo da lucidez.
Goteira
Do bico da pena
bêbado de tinta
vazou um poema.
(todos os poemas anteriores encontram-se no livro Fragmentos)
Nenhuma flor é completa
Nada é perfeito ou completo.
Quero ser incompleto.
Nos pântanos ou nas estrelas
buscarei sempre minhas partes faltantes.
Faltam palavras a todos os poemas.
Assim como nenhuma flor é completa:
falta a todas alguma pétala.
(Do livro: Alguma Poesia)
POLPA, PENUGEM, PÊSSEGO
Há muito encanto no cotidiano da vida.
Por exemplo: quantas vezes alguém
já mordeu um pêssego à nossa frente,
sem que sentíssemos... a polpa e a penugem do pêssego,
o branco do dente lembrando o lírio
e o amarelo maduro morrendo nos lábios.
(Livro: Alguma poesia)