Borboletas no aquário
I
Mantinha borboletas
No aquário.
Sentado à mesa
Com as mãos no rosto
Espalmadas
Tecia um fio de tempo
(Só seu)
A observar, em voos suicidas,
Um submerso calendário.
II
Mantinha borboletas
No aquário
O silêncio a balbuciar-lhe
Regozijos de naufrágios...
Mas, quando as mãos violáceas
Não pressentiram mais as cores
E a visão turva admitiu
Guelras na fala
Ao fio partido
Gritou
Ah, gritou!
Suspensos ao eco
Todos os mares não desbravados!
III
Uma chuva fina e persistente
Visitava os alicerces do passado
Quando fez o que, há tempos, cogitava:
- Mirou o ponto luminoso no teto de tudo
- Guardou os álbuns de todas as renúncias
Na gaveta do armário
- Fez par com a vida, num beijo inusitado
- E, finalmente, convicto, quebrou o aquário.
À mesa
À mesa
Um diálogo adormecido
Sob a toalha
Impecavelmente cuidada e
Alva.
Uma quase imperceptível
Mancha
No olhar de café requentado
Desafia a imutável calma.
E o dia borda fugas
Em retalhos de tempestades.
Os ventos
Os ventos gélidos
E inesperados
Descendo pelas arestas
Da embargada palavra
Povoam de nostálgico inverno
A primavera recém-chegada.
Finados