Poemas do Livro Arabescos

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Poemas do Livro Arabescos

 


Violinos


 


Os violinos flertando


o silêncio


revisitam Vivaldi


em estações remotas


cravadas nos batentes


das despedidas e voltas.


 


Arcos acariciam


desnudadas cordas


no deslizar lento


das imponderáveis horas


escorrendo entre dispersas


notas.


 


Os violinos preservam,


incólumes, os seus segredos


e indiferentes às estações


modulam anseios e medos.


 


Invenções


 


O que deveras me falta invento


viva alegria com fios dourados


saudade morna, nuvens, pé-de-vento


as gargalhadas dos antepassados.


 


Se indiferente, à tarde acrescento


o disparate do grito infundado.


Se me perguntam do que me alimento


respondo breve: do inusitado.


 


A solidão nas manhãs de outono


a lucidez nos porões do abandono


recrio tudo com raro talento.


 


Mas não disfarço sutil frustração


de tendo a morte ao alcance da mão


sequer tocá-la, crede, não invento.


 


Lua do mundo


 


No dia em que destruíram


o elo


entre o poeta e a lua


ficou ele dosorientado


refém de um mundo hostil e gélido


de indisfarçável loucura.


 


Agonizante ante a idéia


de ausentar-se


do "mundo da lua"


percebeu que


nas escadarias do absurdo


a loucura estampada não era a sua.


 


E com a métrica dos


seus versos


que adornavam a


realidade nua


ao invés de lá viver


tornou-se a própria lua.


 


Ciladas


  


 


 


Encilho a montaria


e me preparo


para transpor


os limites do acaso.


 


O destino é certo


ou mutável?


 


Não importa


ao cavaleiro destreza sobra


e não há caminhos


sem percalços.


 


 I I


 


Já no alto da montanha


extenuado me sentei


mas o que vi não foi


o encanto


da paisagem que se descortinava


como fio inesgotável


de um belo novelo mágico.


 


Preso ao meu feito


de a montanha ter galgado


desprezei recomendações


e saciado meu ego


adormeci embriagado.


 


 III


 


Uma lufada de vento


derreava os arbustos


e açoitava o cavalo


que assustado se soltou


e varreu o espaço


com o seu galope ágil.


 


Acordei sobressaltado


tendo à frente o paraíso


que só agora notava.


 


IV


 


Já extasiado da beleza


voltei à realidade


tencionei retornar.


 


Foi então que me lembrei


de que trilhas não demarcara.


 


Mas afoito quanto ingênuo


(o instinto guiaria os meus passos)


vi-me perdido na planície


que abria as suas asas


numa imprevisível cilada.


 


V


 


Resgatado com vida


com as vicissitudes


aprendi nada


e teimoso cavaleiro


planejo novas jornadas.


 


Quarto minguante


 


De abismos invisíveis


despenca metade da lua


que rodopiando em desatino


atropela a serenidade dos anciões


que tentam burlar a saudade


resgatando espelhos partidos.


 


E num ponto distante e insondável


a outra metade da lua


sem luz própria agoniza


imersa em sua loucura provável.


 


Nadadora


 


Quanta beleza contida


nos gestos indiferentes


da nadadora


quando impulsionando


as espáduas


sorve imperceptíveis cristais


de refinado despudor


 


e despida de recato


almeja o indolor contato


entrelaçamento mágico


entre água e flor.


 


 Arabescos


                   


        I


 


Os ventos sopraram forte


nesta manhã


desorganizando os arbustos


empoeirando as vidraças


e ocultando a lâmina ardente


de um sol entediado.


 


Reivindicando atenção


uma cidade apavorada


tangia ladeira abaixo


o comboio inusitado


de destroços e vaidades.


 


Outdoors ambulantes


transeuntes apressados


disputavam as marquises


como o tempo a eternidade.


 


E no cume da encosta


moleque endiabrado


o vento desenhava arabescos


divertindo-se à vontade.


 


        II


 


Do oculto traço que o sol


dispara


surge o arco refletindo


gotículas


seriam da chuva as cores


filtradas


ou das pueris lágrimas


do pianista


executando escalas sucessivas...


 


        III


 


Eis o vento novamente


curvando a sua espinha


em espirais mirabolantes


acrobata em desatino.


 


Galgando muros invisíveis


banha-se nas águas furtivas


da queda que de tão alta


ao espanto da dor provável


transmuta-se em espuma fugidia.


 


Atônitos pomares


com seus frutos luzidios


dissolvem-se frágeis


ante a acidez do perplexo dia.


 


E na calmaria aparente


de uma súbita despedida


sobraram vestígios da vida.


 


      IV


 


Sentado sobre a linha


imaginária


que separa o abraço da


partida


o poeta medita:


 


- o que é o crepúsculo senão


arabesco intuitivo


da eternidade imperceptível...