Gota
A gota transcende
à queda
e repousa calma
na folha que, solícita,
a recebe.
O solo há tempos espera
mas reluta a gota,
ante a acolhida da folha
a abandonar carícias certas.
Gota folha solo
triângulo inevitável
da chuva que é promessa.
Casa
Os retratos
guardam e vigiam
teus passos,
e os gritos das crianças
a correrem desenfreadas
em suas paredes
ficaram registrados.
E a solidão dos dias frios e chuvosos
sempre será compartilhada
por mãos trêmulas
que bordam agasalhos
suspiram saudades.
Sinos
Os sinos dobram
e bate em meu peito
uma dor profunda.
Outrora estes sinos
soavam amigos
anunciando com a morte
o nascimento do mundo.
Mas hoje eles dobram
e a minha dor é profunda.
A dor de perder
parte do meu mundo.
Andantino
Esse poema é quase um grito
meio gargalhada
meio gemido.
É quase música esse poema
meio allegro
meio andantino.
"pausa no compasso"
Esse poema é quase o que sinto.
Lágrimas
As lágrimas
infiltradas por entre rochedos
são filetes tênues
desviados do curso
de um rio
hoje ausente.
que outrora transcendia
com suas águas transparentes
despencando em altas quedas
- a emoção à flor da pele.
Nem todos os rios são perenes.
Álibi
Meu álibi são as marcas
no corpo desenhadas
mas de provas não servirão
ante a tua visão estrábica.
Meu álibi são os gemidos
algo entre a loucura e o medo
mas não ouvirás
bloqueada está tua audiçaõ
ao alheio.
Meu álibi são as madrugadas
companheiras assíduas do meu desespero
tudo o mais são indícios
de nada servem.
Quadros
A minha dor não tem contornos
é ilimitada
escoa pelo quarto
repousa nos armários
adentra à sala,.
de onde vigio com olhar desavisado
os quadros
que às paredes se abraçam
num desespero mudo.
A porta entreaberta
réstias de luz
gemidos (são punhais)
que se esvaem...
se esvaem...
esvaem...
Meu olhar desavisado
ainda vigia os mesmos quadros.
O poeta
Olhou para o céu
Brincou com a lua
Apalpou as estrelas
Subiu os montes
Alcançou o horizonte
Imergiu na loucura
Saciou a sede
Na mais linda e pura
Fonte da vida
Esperou amanhecer
E ao orvalho gelado
Disse bom dia.
Nasceu a poesia.
Jardim
(à minha mãe)
O tempo passou
E eu nem percebi.
Minha mãe rega o velho
Jardim
As flores se renovaram
E eu cresci.
É abril
Como tantos outros
De portas escancaradas para o futuro.
Futuro que nesse instante
É o meu presente.
Meu peito se agigantou
E guarda tudo o que vivi.
Minha mãe rega o jardim
Acompanho os seus movimentos
E talvez nem perceba
Que já brota do meu peito
Uma saudade sem fim.